CAPITULO V
Você Não é Um Anjo
“Se uma garotinha está disposta a arriscar a própria vida para proteger seus amigos, um anjo virá em seu resgate! E este anjo sou eu... Eu repito: este ANJO SOU EU!”
- Emeth Hagia
Dentro dos sonhos tudo é diferente. Apesar de confuso, ele estava desperto. Seu tato, sua visão, seu olfato, seu paladar, sua audição, todos funcionavam normalmente. Emeth sabia de duas coisas: primeiro, ele estava sonhando, e segundo, ela já estivera naquele lugar antes.
Isto era fácil de comprovar: as árvores de madeiras negras e folhas esmeralda se espalhavam por toda a região daquele bosque; pássaros multicoloridos e de formatos estranhos sobrevoavam os céus; aqueles macacos que mais pareciam alienígenas azuis de quatro braços espreitavam-no timidamente no meio das árvores; o cheiro e o sabor de maça verde bagunçavam novamente seus sentidos; ele se sentia em casa naquele ambiente, apesar de mal se lembrar da última visita.
– Já estive aqui outras vezes, apesar de tudo ficar meio diferente à noite. – concluiu ele, sorrindo ao contemplar aquelas pequenas chamas esverdeadas bailando no ar que, de certa forma iluminavam o lugar. Sem sombra de dúvida estivera ali mesmo, pois nada poderia explicar melhor a sua intimidade com o local.
Distante escutava-se o som de águas correntes, talvez uma cachoeira, não era possível afirmar com certeza, pois se encontrava rodeado por árvores, impedindo-o de ter uma concepção melhor das áreas afastadas. Colocando as mãos nas costas, confirmou o que não queria examinar: suas asas continuavam ali. Reparando seu corpo, encontrou-se revestido com a mesma armadura: cobria o corpo inteiro, da cor prata, toda adornada com escritas indecifráveis, que ele achou ter visto no corpo da mulher que disse chamar-se Lililara; um brasão em forma de grande sol vermelho com uma cruz de lados iguais no seu interior brilhava em seu tórax.
– Bom, como estou sonhando mesmo, tá tudo tranqüilo. Hahaha! Quem precisa de explicações num sonho? Ao menos aqui sou livre... Livre pra voar! YUPI! – gritou Emeth levantando vôo. Uma sensação maravilhosa tomou conta de si. Voar no céu noturno não se encaixava na experiência anterior, a temperatura caia gradativamente, a sensação assemelhava-se a estar voando num inverno abaixo de zero.
Por mais desagradável que a experiência fosse, ele não se importava, voar realizava um dos teus sonhos de menino, e não havia jeito melhor de fazê-lo que dentro de outro sonho.
Examinando a região, algo chamara sua atenção: um ponto brilhante cerca de uns 5 km dali. – Bom, vou averiguar! – disse ele, avançando velozmente e cortando a noite gélida. À medida que se aproximava, o aspecto da paisagem que se mostrava à sua frente tornava-se atordoante.
– Fogo, por toda parte! O que tá acontecendo? – expressou Emeth, ao mesmo tempo surpreso e preocupado. Não apenas as árvores estavam em chamas, mas as pedras, os corpos dos animais, a cena o deixava perplexo. – Quem fez isto? – ele indagou, sem esperar que houvesse resposta.
– AAAARGH! SOCORRO! – gritou uma voz distante no meio daquelas labaredas e da fumaça sufocante. Os gritos pareciam ser de uma garotinha terrivelmente assustada.
– Quem? Onde? – apressou-se Emeth tentando adivinhar de onde viria o pedido de ajuda.
– SOCORRO! ALGUÉM ME AJUDA! AAAARGH! – a menina gritava mais alto ainda. Ele tinha que encontrá-la antes que fosse tarde.
A voz parecia vir do centro daquele pequeno inferno em chamas. Esforçando-se avistou algumas pessoas caídas, e uma garotinha em pé com uma foice nas mãos, olhando na direção oposta a que estava.
Atentando-se mais adiante, ele encontrou uma figura no mínimo estranha: uma criatura com aspecto de uma estátua humanóide, com o corpo rajado de lava e feito do que pareciam pedras negras polidas; tinha quatro dedos nas mãos em forma de garras muito afiadas; o rosto fora esculpido no formato de uma máscara malévola, com olhar feroz e sorriso sanguinário; em ambos os braços e antebraços ornavam-se três grossas argolas; abaixo da cintura recobria-se por alguma espécie de tecido roxo em forma de pluma, aparentemente resistente, sustentado por um cinto construído com pontas de flechas; porém, a criatura realmente chamava atenção pelo fato de que todo o seu corpo estava em chamas; línguas de fogo que não se consumiam.
– Acho que encontrei a fonte do incêndio! – disse com o coração disparado. – A razão de eu estar preocupado é o meu corpo. Se eu não tivesse corpo, com o que estaria me preocupando? – açodou-se Emeth para chegar mais próximo ainda. – CALMA MENINA! – gritou ele.
Chegando aterrissou de frente a criatura, ela devia medir uns 4 metros de altura, e estar diante dela o amedrontava de certa forma.
– Não se preocupe menina, eu vou te ajudar. – explicou Emeth examinando o ambiente, tentando acalmar a donzela que estava em perigo à sua frente. O fogo cobria aquilo que podia ser queimado. Árvores, animais mortos, e aquela garotinha com seus amigos estavam de um imenso circulo de ígneo.
– HAHAHA! O QUE ESPERA FAZER, FORASTEIRO? – zombou a criatura, esbanjando uma voz monstruosa. HAHAHA! – continuou ela.
– Se uma garotinha está disposta a arriscar a própria vida para proteger seus amigos, um anjo virá em seu resgate! E este anjo sou eu... Eu repito: este ANJO SOU EU! – bradou Emeth tentando demonstrar confiança. Se ele estava realmente sonhando, aquilo já seria um pesadelo.
– HAHAHA! VOCÊ NÃO É UM ANJO! – disse a criatura avançando rapidamente.
– EU SOU UM ANJO! – gritou ele, levantando vôo para tentar atacá-la de alguma forma.
Emeth só não havia calculado que o seu inimigo fosse tão ágil, julgando-o apenas pelo tamanho. – AAAARGH! – gritou Met desesperando-se ao ter o calcanhar apanhado em plena tentativa de fuga das garras do algoz.
Num movimento, sem esforço algum, o carrasco derrubou-o no chão. E colocando seu imenso pé esquerdo sobre o pescoço dele, deu-lhe um olhar mortífero.
– VOCÊ NÃO É UM ANJO! VOCÊ É UM DEMÔNIO, EMETH HAGIA! EU E VOCÊ SOMOS UM SÓ! HAHAHA! – vociferou a criatura, agarrando-o pelo abdômen, e erguendo-o no ar. – UM SÓ! HAHAHA! – disse arrancando-lhe as duas asas com as garras na mão direita.
– AAAARGH! – Emeth Hagia lembrou-se de sentir uma dor igual apenas no momento em que fora baleado. Ele nunca pensara que perder as asas seria doloroso assim. Definitivamente, elas faziam parte do seu corpo, e a sensação colocava abaixo qualquer presunção de que aquilo fosse um sonho, estava real demais para ser apenas isto.
– ORA, ONDE ESTÁ O ANJO AGORA? PERDEU AS ASAS? COITADINHO, ERAM TÃO FRÁGEIS! HAHAHA! – riu-se o demônio.
– Eu... Eu... Eu vou... – Emeth já não resistia mais à dor intensa, estava quase desmaiando. Tinha que tentar fugir, mas estava sem forças, e cada segundo que passava o desesperava ainda mais.
– VOCÊ NÃO VAI À LUGAR NENHUM, MENINO! – o algoz respirou fundo e agarrou o abdômen do jovem com as duas mãos. – LUGAR NENHUM! – várias línguas de fogo abrasador subiram dos braços da criatura, e encontraram o corpo do rapaz.
– Eu fracassei! Perdoe-me, garotinha! – Emeth já não tinha como resistir. Sentiu-se destruído, pela tentativa de ajudar sem sucesso, e pela dor que lhe consumia. Seu corpo e seu espírito estavam destruídos novamente.
– VOCÊ NÃO SAIRÁ DAQUI, MENINO! – vociferou a criatura.
– Existe vida após o sonho? – indagou Emeth apagando.
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